No mês passado saiu a primeira compilação duma das novas séries da DC Vertigo, The Unwritten. Esta série conta com a participação duma equipa já “clássica” da editora, Mike Carey e Peter Gross, responsáveis por grande parte da série Lúcifer, um premiado spin-off de Sandman e mais uma vez se vem a comprovar que é uma equipa vencedora.
The Unwritten conta a história de (dois) Tommy Taylor, por um lado, uma personagem dos mais bem sucedidos livros fantásticos infanto-juvenis (uma espécie de Harry Potter elevado à quinta-potência do sucesso) criado por Wilson Taylor (que desapareceu após a publicação do 13º volume) e por outro, o filho desse autor que em criança inspirou a personagem e que agora na idade adulta continua perseguido pelo sucesso do seu correspondente virtual, o que o desagrada mas por outro lado se mostra incapaz de evitar, vivendo às custas desse sucesso. O desaparecimento do seu pai deixa um ressentimento e um cheiro a mistério na sua vida que juntamente com as incertezas quanto à sua origem real o vão lançar a caminho da auto-descoberta e do fantástico, sempre em redor da literatura e da fronteira entre a ficção e a realidade.
Numa perspectiva mais abrangente, The Unwritten é uma história sobre o poder do texto e da palavra escrita sobre o mundo real, sendo estes capazes de moldar a realidade através do seu peso e da sua influência e de como esse poder pode ser condicionado por alguns para manipular o mundo a seu interesse. O poder mágico e sobrenatural da palavra escrita para criar mundos fantásticos é assim também usado como uma metáfora para a capacidade real que variadas obras ao longo dos séculos tiveram para moldar a imaginação, os sonhos e a vontade de determinadas gerações, assim como a capacidade que algumas obras tiveram para mudar a história da humanidade, gerando novas maneiras de pensar e de agir, impulsionando movimentos e revoluções ou tornando realidades distantes muito mais próximas. A palavra escrita criou o nosso mundo real, ficção a ficção.
O enredo de Mike Carey toma estas premissas e segue desenvolto através dos mais variados estilos e meios: a vida do Tommy Taylor “real” corre entremeada por excertos da vida literária do Tommy Taylor “ficcional” e a ela juntam-se aparições das mais recentes aventuras da palavra escrita, a Internet, por meio de blogues e chats. Esta primeira compilação traz ainda uma história que nos relata a vida do autor Rudyard Kipling, que nos afasta da história de Tommy, como quem faz Zoom Out num mapa, para nos mostrar que as raízes deste mistério e o braços desta conspiração são muito mais abrangente do que o esperaríamos.
A arte de Peter Gross enquadra-se perfeitamente na história. O seu estilo é um dos que já é imagem de marca no universo mágico e fantástico da Vertigo que rodeia a série Sandman (ainda que aqui não haja uma ligação directa), criando ambientes um pouco lúgubres e desencantados que imprimem um gosto real ao elemento fantástico, como se a magia se tornasse ainda mais mágica por aparecer nos sítios onde menos se espera e que quase sempre também são os sítios que mais precisam dela.
Também mágicas são as capas de Yuko Shimizu, sendo que a série estreou-se com aquela que talvez seja a minha capa preferida do ano passado, pela elegância e simbolismo com que explora o conceito da história. Nela vemos o protagonista enredado num mundo caótico de letras e palavras ainda não escritas, preso num universo em desordem que apenas pelo texto poderá ganhar solidez real e organização. E é através do protagonista, no fundo um messias, e do seu sangue, do seu suor e do seu sofrimento que o mundo ainda não escrito se tornará escrito e pleno.
The Unwritten é sem dúvida uma série a seguir, para mim uma das melhores das mais recentes séries da Vertigo.
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