Baseado numa curta de terror que encantou Guilherme Toro a pontos deste produzir esta versão em longa-metragem, Mama é um filme de terror que roda à volta do instinto maternal obsessivo, dos contos de fantasmas e do tema das crianças ferais.
Cinco anos após Jeffrey ter morto a tiro várias pessoas e raptado as filhas bebés, estas são encontradas sozinhas numa cabana de montanha. Muito perturbadas pelo isolamento, são recolhidas pelo tio paterno Lucas e pela namorada deste, Annabel. No entanto, mais alguma coisa acompanha as crianças, Mama, uma entidade tenebrosa que as protegeu durante os anos passados na cabana.
Mama tinha a possibilidade de ser um bom filme de terror, com algumas personagens interessantes, um ambiente bem conseguido, um terror mais psicológico do que sanguinolento mas perde-se no caminho e não chega a ser o filme que poderia ter sido. Não é tanto o final, que desagradou a muita gente, mas que apesar de ser um pouco cliché até achei razoavelmente bem conseguido (excluindo a falta de subtileza do fantasma, que resultaria bem num filme do Sam Raimi mas que aqui parece um pouco deslocada) mas sim o desenvolvimento e lógica do enredo sobretudo no que toca às personagens secundárias, perdendo-se a maioria delas (a tia materna ressabiada, o psiquiatra, o tio adoptante) em acções sem sentido nem propósito. Seria talvez um filme mais coeso se se centrasse mais no confronto de relações maternais entre a Annabel, as crianças e a Mama.
De resto em termos de lógica também não fez muito sentido a fixação do filme na criança mais velha (faria sentido se a suspeita lançada de a Mama ser uma personalidade alternativa da criança fosse explorada de modo a nos criar minimamente essa dúvida) em detrimento da criança mais pequena, essa sim, visivelmente perturbada e com potencial para nos vir a causar pesadelos.
No final fica um filme mediano com um argumento muito pouco racional e com muito menos efeito perturbador que eu esperava que tivesse e do que poderia ter tido. Para o meu primeiro filme visto em 2013 realmente de 2013 podia ter começado melhor.
Não posso dizer que tenha uma grande cultura no que toca aos filmes mudos. Talvez seja por isso que a maioria dos que vi até agora me tenha surpreendido pelo grau de sofisticação que já apresentavam. Ou então, com o século que praticamente passou, o tempo foi-se encarregando de deixar só a nata do que se fez na altura (afinal de contas, se hoje em dia com toda a tecnologia existente também se faz muito filme mal amanhado, na altura também os devia haver... esperemos que os mal-amanhados de hoje também vão sendo abafados pelo peso do tempo).
Häxan é um filme mudo dinamarquês que em tom documental se debruça sobre os efeitos e horrores da superstição e fervor religioso que levaram durante séculos à perseguição e morte de supostos feiticeiros e bruxas na Europa. Dividido em 7 capítulos, começa com uma exposição teórica apoiada em gravuras em estilo antigo (uma espécie de powerpoint à moda antiga e a parte menos interessante do filme) e segue em vários capítulos com a história da estadia de um grupo de inquisidores numa aldeia qualquer, onde o filme aproveita não só para demonstrar os métodos usados por estes, os riscos que qualquer pessoa corria de ser acusada (mas em particular as mulheres e destas as mais velhas e solitárias) mas também para recriar em encenações muito ricas e detalhadas, os mitos e superstições associados à bruxaria e à adoração de demónios. Por fim, termina com uma muito actual (na altura) tentativa de explicação à luz da psicanálise de vários fenómenos em tempos associados à bruxaria e possessão.
O resultado é bastante poderoso. As cenas que ilustram o filme têm um dramatismo vibrante e surreal, conseguindo o realizador transmitir um forte sentido de terror ao aproveitar de igual modo o horror do que foi a Inquisição e o horror do sobrenatural. Nesse sentido, não deixa de haver um certo oportunismo: se por um lado o filme pretende passar uma mensagem humanista e iluminista e condenar a ignorância da superstição, por outro lado não tem problemas em mergulhar nessa mesma superstição para criar cenas de forte impacto e mestria técnica, com o claro intuito de impressionar o lado mais susceptível dos seus espectadores. É claramente um caso de "Yo no creo en brujas pero que las hay, hay"...
PS: Podem ver o filme inteiro no tubo e com legendas em protuguês (brasileiro) e tudo...
Harold é um jovem desmotivado e sem alegrias, com uma propensão mórbida que o leva a assistir a funerais de desconhecidos e a encenar suicídios para chamar a atenção da mãe. Maude é uma septuagenária vibrante, anárquica e amante da vida. E juntos vão viver um romance (ao som de Cat Stevens) que vai despertar Harold para a vida.
Harold and Maude é um filme com mensagens desafiantes sobre a vida e a morte, a juventude e a velhice, brincando com os nossos preconceitos sobre estes assuntos. No entanto, apesar de ser bastante interessante e de haver nele uma certa doçura e charme, devo dizer que o filme não resultou completamente bem para mim. As personagens e o modo como as situações são apresentadas são demasiado estranhos para um relato realista mas ao mesmo tempo são demasiado realistas para uma fábula. E acho que teria gostado mais de ver um desses dois filmes: ou um relato realista de uma relação amorosa entre um jovem adulto deprimido e uma sénior estouvada ou um relato fantasista e gótico, a meio caminho entre um livro de Edward Gorey e um filme do Tim Burton.
Ainda assim é, sem dúvida, um filme que fica marcado na memória quer pela sua estranheza quer pelas questões que aborda.
É primavera, o sol brilha, a temperatura está amena e é domingo. Precisava de um filme a condizer com o estado de espírito que acompanha essa benesse atmosférica. E foi este.
Pitch Perfect resumido é um típico filme de domingo, fiel a um formato: o das equipas em competição que se superam a si mesmas até ganharem o prémio na final, neste caso um grupo coral feminino à capella, numa universidade. Existem mil e uma versões desta história. Mas Pitch Perfect tem a seu favor um grupo de personagens interessantes, genuínas e bem representadas e um argumento ligeiro mas atrevido, por vezes auto-parodiante mas que ao mesmo tempo leva a sério e com empenho os seus momentos musicais. Uma mistura entre o Glee da sua primeira temporada e meia e o filme do 21st Jump Street.
Entretenimento ligeiro mas não estupidificante, bem disposto e animado: mesmo o que um dia como hoje pedia. E com a Anna Kendrick como bónus!
Se há série que merecia muito mais amor do que aquele que recebe, é sem dúvida o Justified. Não é tanto que não receba muito amor de quem a vê, é mais que muito mais gente a deveria ver. Justified é um expoente da arte do diálogo, elevando a troca de galhardetes verbais ao nível de intensidade de qualquer duelo de cowboy. Vidas são perdidas e ganhas em hábeis trocas de palavras.
Passada no Kentucky, um estado maioritariamente branco e protestante, Justified segue as atribulações dos marshalls e das mafias e criminosos locais, especialmente das suas zonas mais rurais/industriais que são também mais tradicionalistas, saloias, mais hardcore e xenófobas, servindo-se da personagem principal, o marshall Rayland Givens, como ponte de ligação entre as forças policiais e as criminosas. Rayland é uma mistura de cowboy do oeste com um cavalheiro sulista, sempre de dedo no gatilho mas sempre do lado de cá da lei: atira a matar ao mínimo sinal mas, daí o nome da série, o dedo no gatilho é sempre justificado.
Na primeira temporada após um "duelo" com um mafioso de Miami, Rayland é destacado à laia de castigo para Lexington, a divisão a que pertence a sua terra natal, Harlan. Os episódios seguem uma mistura de histórias pontuais de perseguições de fugitivos com o desenvolver de uma história mais de fundo, relacionada com o passado de Rayland, o pai criminoso, a ex-mulher, as disputas familiares ancestrais e sobretudo com a família Crowder. É precisamente desta família que surge Boyd Crowder, que ao longo das temporadas vai estabelecer com Rayland uma relação de verdadeiro amor/ódio, como dois irmãos que se odeiam no fundo porque são parecidos. Ambos os actores fazem um trabalho para lá de magnífico e raramente dois adversários tiveram uma química tão grande. Cada embate (a maior parte deles, lá está, são verbais) está ao nível do stand-off do Omar/Brother Mouzone do the Wire.
A segunda temporada é soberba, sobretudo devido aos vilões principais da temporada, o clã Bennett responsável pelo tráfico de cannabis na região de Harlan. Boyd e a família Crowder continuam lá mas cabe a Mags, a matriarca dos Bennetts, o mais inesquecível papel de vilã da série. É ela a culpada de esta ser até agora a melhor temporada da série.
A terceira temporada perde um pouco pela entrega do papel de vilões principais a personagens fora do colorido mais local mas nem por isso deixa de ter episódios e momentos magníficos.
A quarta temporada, que terminou agora, leva-nos de novo a mergulhar em Harlan e na sua história, ao tentar resolver um mistério com 30 anos de idade que vai pôr em revolução quer os criminosos locais, quer a mafia de fora, quer as forças policiais. Todos se vão entregar entusiasticamente à procura da identidade de um homem muito, muito desejado, Drew Thompson.
Apesar de todas as temporadas manterem uma dose regular de histórias mais pontuais, são sempre as histórias de fundo a dar coesão à série e a qualidade destas está muito presa à qualidade do inimigo principal. Até aqui a série estava a seguir um esquema de vilão principal a desenvolver-se ao longo da temporada até ao stand-off final mas nesta foge ao esquema: tem na mesma adversários estupendos mas desta vez o ênfase é posto na corrida e confronto entre as várias forças interessadas em descobrir quem é Drew Thompson. E é uma aposta ganha, não só pela história em si mas também por não deixar cair a série num formato rígido. Este evitar da formatação, de qualquer maneira, já era uma mais valia da série, que sempre conseguiu manter as suas personagens e histórias em evolução e crescimento: mesmo as personagens secundárias são tridimensionais, desenvolvem-se e mudam, têm vida para lá do seu papel de suporte das personagens principais (duas delas, o Marshall Tim e Colt têm quase direito a um muito interessante spin-off nesta temporada).
Para além da qualidade geral deste arco, nesta temporada há também a registar o melhor episódio de toda a série e o melhor episódio de TV que eu tenha visto em muito tempo. O episódio 11, quando os marshalls finalmente tomam posse do fugitivo Drew Thompson mas têm ainda de conseguir resgatá-lo de Harlan para um local mais seguro é de uma mestria incomum: o ritmo, os diálogos, o jogo de cintura a gerir os múltiplos focos de acção, as mudanças constantes e variadas localizações, a intensidade constante, tudo afinadíssimo
ao último grau.
Agora venha a quinta temporada... e quanto mais cedo melhor.
Se tiverem curiosidade e quiserem ler algo sobre a série escrito por alguém mais eloquente que eu, recomendo este artigo que foi o que primeiro me despertou curiosidade pela série: 5 Ways Dexter Can Learn From Justified.
Na transição do filme mudo para o sonoro, Carl Theodor Dreyer realizou um filme de horror inspirado nas histórias de Sheridan Le Fanu, muito bem sucedido na criação de um ambiente brumoso e arrepiante. O filme corre como um longo e desorientador pesadelo (acentuado ainda mais pela pátina que o tempo confere).
Não é tão bem sucedido, no entanto, em termos de argumento o qual, mercê talvez dos múltiplos cortes e edições a que o realizador o foi sujeitando, nem sempre segue da melhor maneira o fio da coerência. O que se ganha em atmosfera perde-se por vezes em clareza narrativa, para a qual também não ajuda o facto de por um lado os diálogos sonoros serem ainda incipientes e muito escassos e por outro os intertítulos e a mímica típicos dos filmes mudos estarem reduzidos ao indispensável.