quarta-feira, 15 de maio de 2013

1001 Filmes: MASH (1970)

Nota: Este post foi instigado pelo livro "1001 Movies You Must See Before You Die".


Aaah, eu tenho que admitir: gostei mais da série de televisão. Enquanto comédia o filme custa um pouco a pegar, talvez por uma dos personagens principais só entrar quase a meio do filme. A série é mais hábil em nos fazer rir, o filme no entanto funciona muito bem como uma sátira mais naturalista sobre o absurdo da guerra, guiada pelo espírito irreverente dos anos 70.

Segue as peripécias de uma unidade médica próxima das linhas da frente da guerra da Coreia, onde quase todos tentam tirar o melhor proveito da situação, o que gera um rol de constante humor negro e sexual. Robert Altman já em início de carreira era hábil em gerir grupos grandes de personagens em cena, aqui mantendo-os muitas vezes em caos controlado. Esse caos por um lado é uma das coisas que contribui para um certo realismo mas por outro por vezes deixa-nos um pouco distantes das piadas que estão a acontecer. Essa sensação diminui quando entra em cena Trapper, que com Hawkeye Pierce (Donald Sutherland, em modo de excelência) vai formar uma dupla maravilha que se torna o nosso foco no meio daquelas personagens todas.

MASH introduz ainda um grande tema musical mesmo em sintonia com o filme: uma canção com uma forma aparentemente tradicional, séria mas com uma letra deliciosamente negra e jocosa. A mesma que meio do filme, na sua melhor cena (a da última ceia) vai ganhar todo um maior sentido.

domingo, 12 de maio de 2013

1001 Filmes: Marnie (1964)


Nota: Este post foi instigado pelo livro "1001 Movies You Must See Before You Die".


Marnie (Tippi Hedren) desfalca a empresa onde trabalha e parte, assumindo uma nova identidade, em direcção a uma nova empresa onde planear repetir o golpe. Chama no entanto a atenção do seu novo patrão, Mark Rutland, (Sean Connery) que a reconhece da empresa anterior e a adopta como objecto de fascínio (etológico).

Até um certo ponto esta podia ser a premissa para uma comédia romântica mas este é um filme de Hitchcock. Logo em vez disso há tensão, crime e manipulação. Tem duas boas interpretações, especialmente a de Tippi Hedren mas infelizmente tem também uma dose demasiado pesada de psicanálise, que é a grande motivação do filme. Basta ver as personagens principais: Marnie é uma ladra e mentirosa compulsiva com fobia pela cor vermelha, frígida e claramente com um trauma de infância. Ele estranhamente não é melhor: um dominador e sádico latente determinado a psicoanalisar Marnie e reformá-la mas que parece mais interessado nela pelo desafio de "domesticar um jaguar" do que por afecto.

Para mim foi um filme desapontante pela mão pesada a lidar com a psicologia da história mas ao mesmo tempo intrigante. Quão desconcertantes Mark e a sua relação com Marnie são: há ali claramente elementos que não são "normais", o seu distanciamento emocional sobretudo, mas ao mesmo tempo a perversidade da relação não é completamente explorada, não ficando muito claro qual era a intenção. E isto torna o filme um pouco estranho, mas pronto, há que conceder: fascinantemente estranho.


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Side Effects (2013)


Se este for realmente o último filme de Soderbergh, por mim é uma carreira que acaba em nota muito positiva. Side Effects é um thriller muito sólido, que consegue manter um forte sentido de tensão, com uma série de reviravoltas que brincam com as nossas expectativas e um final muito satisfatório.

Começa com um vislumbre de que vai haver sangue para nos levar de seguida a alguns meses antes quando Martin (Chaning Tatum), um criminoso de colarinho branco sai da prisão e regressa para junto da sua esposa Emily (Rooney Mara), uma mulher fragilizada e em depressão . Quando esta passa a ser seguida pelo psiquiatra Dr. Banks (Jude Law), uma nova medicação vai ajudá-la a lidar com a doença mas vai ter inesperados efeitos secundários.

Rooney Mara tem um actuação de peso, entregando sem esforço aparente nenhum uma Emily ao mesmo tempo fragilíssima mas inescrutável e com várias camadas. Jude Law também acompanha bem, dominando a segunda metade com o sentido de culpa, angústia e de justiça (vingança?) que passa pela sua personagem. Apenas a representação de Catherine Zeta-Jones, no papel da anterior psiquiatra de Emily, tem qualquer coisa de mais esquisito do que deveria.

O filme mantém um jogo constante de enganos e manipulações (entre as personagens e entre o filme e nós espectadores) muito assente no facto de ninguém ser completamente inocente: todos já tomaram psicoactivos, todos jogam com o sistema, todos iludem. A meio do filme a atribuição de culpa final poderia cair para qualquer lado com igual plausibilidade: nos médicos, nas companhias farmacêuticas, nos pacientes. É esse o jogo de expectativas que o filme faz connosco:  por momentos sucessivos, o filme pende sobre vários subtipos de thriller, antes de acabar por se decidir a cair num deles. Na verdade, acaba por optar pela solução um pouco cliché mas felizmente consegue seguir essa opção sem cheirar a naftalina.

É um filme a ver, sem dúvida.









sábado, 4 de maio de 2013

Upstream Color (2013)


Há filmes em que é preciso que se passem uns dias após o visionamento para se conseguir falar sobre eles. Precisam de assentar. Upstream Color é um deles. 

Vindo de quem vem, também não é de estranhar: Shane Carruth, o seu realizador (e argumentista e actor principal, entre outras funções), estreou-se nas longas-metragens com Primer, um filme de ficção científica sobre viagens no tempo (talvez o mais realista filme de viagens no tempo alguma vez feito, em termos de lógica) cuja narrativa pode ser sucintamente descrita pelo esquema que se segue:


Este segundo filme é igualmente um filme intrigante, que exige de nós espectadores muita reflexão e interpretação (podendo eventualmente cada um chegar conclusões diferentes). A diferença entre ambos os filmes é que enquanto o Primer o exigia por ser um filme muito técnico, este exige-o por ser muito abstracto.

Não é que não tenha enredo, porque tem. Através de uma narração um pouco desconexa e com muito poucos diálogos (e muito menos explicações) seguimos o percurso de uma mulher e um homem que se vêm enredados numa conspiração relacionada com uma entidade/droga com efeitos poderosíssimos sobre a consciência. Ao longo do ciclo de vida desta entidade (que tal como um parasita avança por uma série de hospedeiros até reiniciar o ciclo: humano-porco-orquídea-verme, com a ajuda de humanos que lucram monetaria ou emocionalmente com isso), desde que são forçados a integrar esse ciclo, as duas personagens principais vêm as sua consciências fragmentadas e manipuladas mas juntos vão procurar libertar-se e retomar as rédeas das suas vidas e emoções.


O filme tem imagens de grande beleza e graciosidade, num estilo sensorial que por vezes faz lembrar Terence Malick, mas sente-se uma certa frieza, talvez fruto da alienação mental por que passam as personagens principais durante a maior parte do filme. É um filme que fica mas não necessariamente agradável: é um filme que intriga, que prende como um mistério, uma interrogação e é sobretudo um filme que prende por que se sente que mais do ser um filme sobre uma conspiração, o próprio filme é como uma conspiração: muito mais lhe corre por baixo da superfície, é um filme maior do que o seu enredo, maior do que as suas imagens.