Há filmes em que é preciso que se passem uns dias após o visionamento para se conseguir falar sobre eles. Precisam de assentar. Upstream Color é um deles.
Vindo de quem vem, também não é de estranhar: Shane Carruth, o seu realizador (e argumentista e actor principal, entre outras funções), estreou-se nas longas-metragens com Primer, um filme de ficção científica sobre viagens no tempo (talvez o mais realista filme de viagens no tempo alguma vez feito, em termos de lógica) cuja narrativa pode ser sucintamente descrita pelo esquema que se segue:
Este segundo filme é igualmente um filme intrigante, que exige de nós espectadores muita reflexão e interpretação (podendo eventualmente cada um chegar conclusões diferentes). A diferença entre ambos os filmes é que enquanto o Primer o exigia por ser um filme muito técnico, este exige-o por ser muito abstracto.
Não é que não tenha enredo, porque tem. Através de uma narração um pouco desconexa e com muito poucos diálogos (e muito menos explicações) seguimos o percurso de uma mulher e um homem que se vêm enredados numa conspiração relacionada com uma entidade/droga com efeitos poderosíssimos sobre a consciência. Ao longo do ciclo de vida desta entidade (que tal como um parasita avança por uma série de hospedeiros até reiniciar o ciclo: humano-porco-orquídea-verme, com a ajuda de humanos que lucram monetaria ou emocionalmente com isso), desde que são forçados a integrar esse ciclo, as duas personagens principais vêm as sua consciências fragmentadas e manipuladas mas juntos vão procurar libertar-se e retomar as rédeas das suas vidas e emoções.
O filme tem imagens de grande beleza e graciosidade, num estilo sensorial que por vezes faz lembrar Terence Malick, mas sente-se uma certa frieza, talvez fruto da alienação mental por que passam as personagens principais durante a maior parte do filme. É um filme que fica mas não necessariamente agradável: é um filme que intriga, que prende como um mistério, uma interrogação e é sobretudo um filme que prende por que se sente que mais do ser um filme sobre uma conspiração, o próprio filme é como uma conspiração: muito mais lhe corre por baixo da superfície, é um filme maior do que o seu enredo, maior do que as suas imagens.
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