Passado num ambiente sulista, Mud (desnecessariamente baptizado de Fuga em Portugal) segue o encontro de 2 rapazes, Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) com Mud (Matthew McConaughey), um fugitivo meio Huckleberry Finn, encalhado numa pequena ilhota, que se procura reunir com o amor da sua vida, Juniper (Reese Witherspoon).
Apesar de Mud dar o nome ao filme, a verdadeira história aqui é a do desenvolver da maturidade em Ellis. Com a história de Mud como catalisador principal, Ellis vai acabar por enfrentar e aprender a lidar com as complexidades e perplexidades do amor e das relações adultas. A partir do confronto entre a atitude geral dos homens que o rodeiam (que parecem acreditar que as mulheres são o inimigo e a causa da queda dos homens) e a crença de Mud (de que as mulheres são seres veneráveis e as redentoras dos homens), Ellis vai construir o seu sentido de masculinidade e maturar a sua atitude em relação às mulheres.
Dirigido por Jeff Nichols (o mesmo do intenso Take Shelter), o filme tem um ritmo lento mas hipnótico e é servido por interpretações soberbas, especialmente no caso de Tye Sheridan, Matthew McConaughey e Reese Witherspoon. Com cerca de 2 horas (talvez um pouquinho longas demais a meio do filme), Mud é um filme a que compensa assistir, pelas personagens bem desenvolvidas, pelas actuações e pelo simbolismo, a nostalgia e sensibilidade com que a história nos é mostrada.
O criador de Weeds tem uma nova série, original do Netflix, mais uma vez baseada numa perversão da classe média-alta branca americana. Baseada no livro homónimo e autobiográfico de Piper Kerman, a série segue a estadia de Piper, uma autodenominada WASP com carreira, noivo e vida estável, numa prisão de baixa segurança por anos antes, numa fase mais rebelde, se ter envolvido numa relação amorosa com uma traficante (também ela a cumprir pena) e numa ocasião ter servido de transporte.
A história de Piper é no entanto apenas uma desculpa, uma chave para a série poder entrar naquele mundo condensado de mulheres de todas as origens, de todas as raças, orientações, personalidades, crimes e passados. Todas representadas com muita humanidade. E é nesse conjunto de tão variadas personagens e das relações que se estabelecem entre elas que a série tem o seu melhor.
Claro que com tantas personagens e histórias paralelas, a série poderia tornar-se demasiado dispersa mas aqui entra o benefício de se passar maioritariamente numa só localização: as histórias de cada personagem entrelaçam-se umas nas outras, porque a vida naquele ambiente funciona quase como um organismo único e complexo: uma alteração numa ponta, acaba sempre por ter efeitos noutra.
A primeira temporada via-a em menos de nada. Entre o fascínio das personagens e das relações entre elas, os momentos cómicos (o episódio da galinha), os momentos brutais (o final da temporada), o genérico ao som da Regina Spektor, cada episódio tem o condão de nunca fazer sentir que dura quase uma hora. Agora aguardo a segunda.
O melhor de The Conjuring (A Evocação) é ser uma história bem contada e bem representada. O filme relata um dos supostos casos reais da carreira de Ed e Lorraine Warren, um notório casal de investigadores do paranormal cujos casos já no passado inspiraram outros filmes de terror (Amityville, The Haunting in Connecticut). Aqui mergulhamos no caso da família Perron, uma família com 5 filhas, que no início dos anos 70 se muda para uma casa amaldiçoada por uma bruxa no século XIX.
A história não é, portanto, nada de muito novo: uma casa infestada por fantasmas e demónios que tentam quebrar e possuir uma família que para lá se mudou. Mas é contada com o ritmo lento de alguns filmes de terror antigos, que favorece mais o medo por tensão do que pelo gore. As personagens são bem desenvolvidas (não só no caso da família bastante verosímil mas sobretudo o casal de "van Helsings") e a atmosfera criada é muito bem construída, quer na recriação de um ambiente vintage (seja a época em que a acção se passa, seja o tipo de filmes que emula), quer na sugestão de grande tensão a partir de objectos e momentos que à partida seriam desprovidos de motivos para a causar (logo desde a história paralela inicial da boneca possuída).
O grande problema do filme para mim foi no entanto uma das suas virtudes: o casal Warren. As duas personagens estão muito bem construídas e muito bem representadas por Vera Farmiga e Patrick Wilson, de tal modo que seriam personagens que gostaria de continuar a seguir em outros casos. São empáticos, trazem uma aura de sabedoria e experiência no assunto, refreada por um grande sentido de humanismo e compaixão que os impede de se tornarem personagens arrogantes ou frios (o seu interesse vai mais para as pessoas que estão a ajudar do que para a excitação de um caso novo). No entanto têm o mesmo efeito no filme para nós espectadores que tem para uma criança a entrada dos pais no seu quarto escuro. A partir do momento em que tomam conta do caso Perron temos a certeza que tudo vai ficar bem, o medo encolhe-se para os cantos mais escuros e perde importância e um filme de terror a partir do momento em que o medo perde importância, perde grande parte da sua função.
Pesando o bom e o menos bom, no entanto, The Conjuring é um filme bem acima da média do género.
Já que estamos nisto, fica o trailer do meu filme de casa assombrada preferido, talvez mesmo o meu filme de terror no topo da lista (o facto de o ter visto pela primeira vez no TCM, noite dentro e sozinha na casa da avó, pode ter ajudado). É sem dúvida uma entrada merecida no livro dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer.
Este ano Alfonso Cuarón, o realizador mexicano de Y tu Mamá También e de Children of Men, mudou-se para o espaço. Não para realizar um filme de ficção científica mas sim um estonteante e tenso drama de sobrevivência. Uma espécie de 127 Horas intensificado pelas condições de um cenário extremo (extremíssimo) que vagueia entre a claustrofobia e agorofobia.
Sandra Bullock interpreta com muita intensidade mas sem histeria (numa excelente interpretação) o papel de Dra Ryan Stone, uma engenheira médica numa primeira missão espacial quando a destruição de um satélite desencadeia uma núvem de detritos que vai ameaçar várias estações espaciais em órbita e destruir a sua. Sozinha, sem comunicação com a Terra e à deriva no espaço, Stone terá de enfrentar a vertigem da imensidão do vazio, o pânico, a solidão extrema e também a tentação de desistir e entregar-se à serenidade desse mesmo vazio.
Com ela praticamente apenas temos George Clooney, a interpretar a figura quase paternal do astronauta veterano, uma personagem que inicialmente representa o único ponto de segurança de Stone mas que também ele se perde, obrigando-a a encontrar a coragem e motivação dentro de si própria. Clooney tem uma interpretação adequada mas sem a intensidade de Bullock, talvez por a personagem pecar um pouco por excesso de coolness.
A história é muito simples mas a realização é brilhante. Alfonso Cuarón evita os flashbacks ou os cortes para outros cenários (Houston, por exemplo) que tornariam a história mais densa mas que sem dúvida também diminuiriam a sua intensidade cortando a sensação de vulnerabilidade, solidão e vertigem da situação vivida pela Dra Stone. Mesmo sem o artifício dos flashbacks, o argumento consegue intensificar o extremismo da situação comparando-a primeiro ao vazio emocional que a perda de alguém pode causar e depois aos lugares terrestres mais abismais, ambos perdendo um pouco da sua solidão e negrume por comparação.
Por outro lado, tendo um filme com apensas 1 ou 2 personagens e a grande imensidão do espaço como protagonistas, Cuarón consegue nunca ser enfadonho e mantêm-nos em permanente tensão, quer seja pela espectacularidade da acção quer seja pelas reacções das personagens. Para isso contribui o brilhantismo técnico do filme e dos seus efeitos especiais. O 3D raras vezes foi tão justificado, não tanto para criar uma espectacularidade forçada mas sobretudo para imprimir uma forte sensação de realismo.
Vi o filme em IMAX. Acho que precisava de rever em 3D normal para perceber se realmente vale a pena a diferença. Continua a ser, pelo menos para mim, extremamente cansativo para a vista: temos de estar permanentemente com a vista bem focada e concentrada ou tudo fica desfocado e com dupla imagem. E continuo a ter o problema de precisar de usar os óculos normais por baixo dos óculos 3D. O som é que é notoriamente melhor. Mas seja como for, em salas normais ou IMAX, este é definitivamente um filme para fazer o esforço e ver em 3D.
Faz dez anos que o Elvis Costello editou um álbum chamado North e desde então não há um Outono em que as primeiras chuvas não me façam ter uma vontade tremenda de ouvir esta música (e de seguida o resto do álbum...):
Se há função que os prémios em geral devem servir é a de sublinhar coisas que merecem ser vistas mas que nos poderiam passar despercebidas. Este mês foram anunciadas as nomeações para os Emmys deste ano e no topo dos nomeados está a segunda temperada desta série, que até agora (apesar de eu até gostar do género) ainda não me tinha atraído. (Talvez a culpa fosse do título, horror americano e ainda por cima televisivo, soa a coisa para ser assim um horror de meia tigela, limpinho e sanitizado.)
Mas agora fiquei com curiosidade. Felizmente a minha curiosidade pode ser satisfeita sem ter de começar pela primeira temporada, já que cada uma é completa e passa-se num cenário e contexto diferente (apesar de vários actores serem comuns mas em papéis diferentes). O todo do plantel de actores é emblemático da respeitabilidade que as produções para TV ganharam em relação às produções cinematográficas e sem dúvida um dos factores positivos da série.
Até agora do que vi, há um caldeirão temático onde cabem demências várias, possessões demoníacas, experiências científicas pouco éticas, assassinos em série, freiras sádicas, freiras masoquístas, preconceitos raciais e sexuais à la anos 60 e até (infelizmente) aliens. E ainda só vi 2 episódios. A ver vamos como seguram as rédeas a tanta animação num só asilo.
Um filme sobre as repercussões de uma má decisão na vida de dois homens e das suas famílias. Luke (Ryan Gosling) confrontado com a existência de um filho recém-nascido que desconhecia decide enveredar pelo crime para poder sustentá-lo. Avery (Bradley Cooper) é o polícia inexperiente (e também pai recente) que o vai confrontar num momento trágico e desse confronto vão-se criar estilhaços que vão marcá-lo e mudar a sua vida. Anos depois, na vida dos filhos de ambos, esses estilhaços ainda se vão fazer sentir.
Por todo o filme pesa uma potente sensação de destino e tragédia iminente e é esse ambiente de tensão dado quer pela fotografia, quer pela banda sonora, o melhor que o filme tem. Em todas as personagens há um impulso inquieto que as leva a procurar fugir em frente, umas apenas para se encontrarem frente-a-frente com o tal destino trágico que as ameaça, outras conseguido evitá-lo.
Esta tensão, esta inquietude levou-me a gostar mais do filme do que aquilo que acho que ele realmente vale. Porque apesar de tudo é um filme com alguns defeitos. Despida do estilo com que foi filmada, a história perde o sentido da verosimilhança, há demasiada ambição nos volteios que o argumento dá, como se o autor se estivesse a esforçar demasiado para criar tragédias, interligações e sobressaltos. A sensação que me deixou é que os personagens agem de determinada maneira não porque a sua lógica intrínseca os guie mas apenas porque são uns joguetes na mão do destino (e são-no, não nas mãos do destino mas nas do argumentista).
Outra coisa que me inquieta (e isto já não tem a ver com este filme especificamente) é o papel do Ryan Gosling. Já sabemos que ele é excelente a fazer o papel do tipo calado e misterioso, capaz da maior nobreza de sentimentos (em especial no que toca a mulheres) mas também capaz dos maiores rasgos de violência e criminalidade... mas há-de haver uma altura em que já chega vê-lo a fazer a mesma personagem em filmes diferentes.
Nos últimos tempos tenho visto alguns filmes que não me têm suscitado vontade de escrever mais que umas linhas sobre eles (e não é que não tenha apreciado alguns deles), por isso vou juntá-los a todos num único post.
Sightseers (2013)
Uma história de amor psicopata num estilo de comédia negra que começa muito bem mas que a partir duma certa altura se começa a arrastar entediantemente. Quando falo em psicopatas, devo acrescentar no entanto que os amantes protagonistas estão mais para um carrossel de esquisitos (ou para os crimes exemplares de Max Aub) do que para Mallory e Mickey Knox.
Iron Man 3 (2013)
Não sendo um grande filme é sem duvida um filme grande (demais). Tirando esse defeito, é um filme proporciona um momento de bom entretenimento que não envergonha ninguém. O Ben Kingsley tem um papel bem castiço.
1001 Filmes: A Festa de Babette (1988)
Um da lista dos 1001 Filmes para ver antes de morrer. Uma história simples filmada de modo melancólico e cândido mas bastante caloroso, apesar do ambiente nórdico. No entanto por falta de tensão e conflito na história, o filme nunca passa de morno para quente.
Not Suitable For Children (2012)
Uma oportunidade para ver o "Jason Stackhouse" fora do ambiente vampírico mas ainda dentro da veia cómico-sexual. A premissa podia indicar um desastre (a história do boémio que descobre que vai ficar infértil e em poucos dias decide que quer engravidar alguém e ser pai) mas a comédia acaba por conseguir manter o nível acima da linha. No final, fica uma comédia romântica agradável, contemporânea, descomplexada e liberal mas não ordinária. A componente feminina do filme, Sarah Snook, promete ser uma figura a reter.
Easy A (2010)
Ainda dentro das comédias românticas ligeiras, segue-se outra em que a componente feminina é cinco estrelas, como seria de esperar da sempre carismática Emma Stone. O filme é inspirado na história de A Letra Escarlate, lidando com o impacto da reputação e julgamento social. O melhor do filme (tirando a Emma Stone) são os diálogos cheios de jogos de palavras, tornando o filme numa comédia ligeira mas inteligente.
Evil Dead (2013)
Um remake ou uma sequela? De bom tem o tratamento do gore, sempre de frente, sem desviar o olhar, de mau tem a ausência de terror propriamente dito, isto é, não mete medo (mas também não tem a componente de comédia nojenta do segundo Evil Dead ou do Braindead para compensar). De melhor, talvez a resolução fazer sentido, de péssimo o facto de ser tão previsível e mesmo assim o óbvio levar tanto tempo a desenvolver-se.
World War Z (2013)
Entretenimento sólido, em boa parte por causa dos desempenhos dos actores. O argumento tem uns quantos disparates sem sentido mas no entanto se o filme seguisse o caminho racional a demanda do herói tinha acabado logo na primeira paragem e pronto, acabava-se o filme em menos de meia hora. (Já agora um aparte, vi em 2D e não notei nada que justificasse pagar o extra e suportar a porcaria dos óculos do 3D).
Em 1995 quando Kids, o filme de Larry Clark escrito por Harmony Korine, saiu eu tinha 14 anos. Podem imaginar quão perturbada estava quando acabei de ver o filme. Nunca mais o voltei a ver: desconfio que foi um efeito de choque irrepetível e acredito que haja uma forte probabilidade de hoje se o visse achá-lo sensacionalista e superficial.
Quase 20 anos depois (20 anos... vinte... VINTE anos... até me apetece dizer um palavrão...), Harmony Korine volta a escrever (e desta vez a realizar também) um conto sobre uma geração vazia de valores morais e os seus rituais.
Quatro universitárias, amigas desde infância, desejosas de se alienarem dos seus dia-a-dias cinzentos, decidem-se a ir em viagem em direcção ao sol da Flórida, numa viagem de Spring Break (no espírito do que no Algarve ou nas praias de Espanha seria uma viagem de finalista). E decidem ir a todo o custo e sem travões. Ou pelo menos duas delas, já uma outra vai meio de arrasto no espírito conformista adolescente da lealdade para com os amigos de sempre (mesmo que entretanto a vida tenha feito com que os amigos de sempre já não tenham muito a ver connosco) e a outra vai no espírito da coisa mas com limites.
Talvez o filme possa ter para uma geração mais nova o mesmo efeito de choque que o Kids teve para mim. Mais que não seja para um público que cresceu com as actrizes protagonistas, até agora mais ligadas a um universo infanto-juvenil. Mas estando fora desse segmento de público, a verdade é que passei a maior parte do filme a pensar "tou velha demais pra esta m***da"!
O filme soube-me a um videoclip entediantemente longo, uma sucessão de cenas de jovens a posarem e mostrarem as mamas em câmara lenta ao som de uma batida sonora qualquer, com diálogos esparsos, repetitivos e em voice-over. As personagens principais foram insuficientemente desenvolvidas para terem credibilidade ou para terem tensão interior. Tudo acontece superficialmente. Talvez essa superficialidade faça parte da mensagem do filme mas a mim Spring Breakers pareceu-me só um exercício de estilo vazio e sensacionalista. E pronto, é por isso que me recuso a voltar a ver o Kids.
Aaah, eu tenho que admitir: gostei mais da série de televisão. Enquanto comédia o filme custa um pouco a pegar, talvez por uma dos personagens principais só entrar quase a meio do filme. A série é mais hábil em nos fazer rir, o filme no entanto funciona muito bem como uma sátira mais naturalista sobre o absurdo da guerra, guiada pelo espírito irreverente dos anos 70.
Segue as peripécias de uma unidade médica próxima das linhas da frente da guerra da Coreia, onde quase todos tentam tirar o melhor proveito da situação, o que gera um rol de constante humor negro e sexual. Robert Altman já em início de carreira era hábil em gerir grupos grandes de personagens em cena, aqui mantendo-os muitas vezes em caos controlado. Esse caos por um lado é uma das coisas que contribui para um certo realismo mas por outro por vezes deixa-nos um pouco distantes das piadas que estão a acontecer. Essa sensação diminui quando entra em cena Trapper, que com Hawkeye Pierce (Donald Sutherland, em modo de excelência) vai formar uma dupla maravilha que se torna o nosso foco no meio daquelas personagens todas.
MASH introduz ainda um grande tema musical mesmo em sintonia com o filme: uma canção com uma forma aparentemente tradicional, séria mas com uma letra deliciosamente negra e jocosa. A mesma que meio do filme, na sua melhor cena (a da última ceia) vai ganhar todo um maior sentido.
Marnie (Tippi Hedren) desfalca a empresa onde trabalha e parte, assumindo uma nova identidade, em direcção a uma nova empresa onde planear repetir o golpe. Chama no entanto a atenção do seu novo patrão, Mark Rutland, (Sean Connery) que a reconhece da empresa anterior e a adopta como objecto de fascínio (etológico).
Até um certo ponto esta podia ser a premissa para uma comédia romântica mas este é um filme de Hitchcock. Logo em vez disso há tensão, crime e manipulação. Tem duas boas interpretações, especialmente a de Tippi Hedren mas infelizmente tem também uma dose demasiado pesada de psicanálise, que é a grande motivação do filme. Basta ver as personagens principais: Marnie é uma ladra e mentirosa compulsiva com fobia pela cor vermelha, frígida e claramente com um trauma de infância. Ele estranhamente não é melhor: um dominador e sádico latente determinado a psicoanalisar Marnie e reformá-la mas que parece mais interessado nela pelo desafio de "domesticar um jaguar" do que por afecto.
Para mim foi um filme desapontante pela mão pesada a lidar com a psicologia da história mas ao mesmo tempo intrigante. Quão desconcertantes Mark e a sua relação com Marnie são: há ali claramente elementos que não são "normais", o seu distanciamento emocional sobretudo, mas ao mesmo tempo a perversidade da relação não é completamente explorada, não ficando muito claro qual era a intenção. E isto torna o filme um pouco estranho, mas pronto, há que conceder: fascinantemente estranho.
Se este for realmente o último filme de Soderbergh, por mim é uma carreira que acaba em nota muito positiva. Side Effects é um thriller muito sólido, que consegue manter um forte sentido de tensão, com uma série de reviravoltas que brincam com as nossas expectativas e um final muito satisfatório.
Começa com um vislumbre de que vai haver sangue para nos levar de seguida a alguns meses antes quando Martin (Chaning Tatum), um criminoso de colarinho branco sai da prisão e regressa para junto da sua esposa Emily (Rooney Mara), uma mulher fragilizada e em depressão . Quando esta passa a ser seguida pelo psiquiatra Dr. Banks (Jude Law), uma nova medicação vai ajudá-la a lidar com a doença mas vai ter inesperados efeitos secundários.
Rooney Mara tem um actuação de peso, entregando sem esforço aparente nenhum uma Emily ao mesmo tempo fragilíssima mas inescrutável e com várias camadas. Jude Law também acompanha bem, dominando a segunda metade com o sentido de culpa, angústia e de justiça (vingança?) que passa pela sua personagem. Apenas a representação de Catherine Zeta-Jones, no papel da anterior psiquiatra de Emily, tem qualquer coisa de mais esquisito do que deveria.
O filme mantém um jogo constante de enganos e manipulações (entre as personagens e entre o filme e nós espectadores) muito assente no facto de ninguém ser completamente inocente: todos já tomaram psicoactivos, todos jogam com o sistema, todos iludem. A meio do filme a atribuição de culpa final poderia cair para qualquer lado com igual plausibilidade: nos médicos, nas companhias farmacêuticas, nos pacientes. É esse o jogo de expectativas que o filme faz connosco: por momentos sucessivos, o filme pende sobre vários subtipos de thriller, antes de acabar por se decidir a cair num deles. Na verdade, acaba por optar pela solução um pouco cliché mas felizmente consegue seguir essa opção sem cheirar a naftalina.
Há filmes em que é preciso que se passem uns dias após o visionamento para se conseguir falar sobre eles. Precisam de assentar. Upstream Color é um deles.
Vindo de quem vem, também não é de estranhar: Shane Carruth, o seu realizador (e argumentista e actor principal, entre outras funções), estreou-se nas longas-metragens com Primer, um filme de ficção científica sobre viagens no tempo (talvez o mais realista filme de viagens no tempo alguma vez feito, em termos de lógica) cuja narrativa pode ser sucintamente descrita pelo esquema que se segue:
Este segundo filme é igualmente um filme intrigante, que exige de nós espectadores muita reflexão e interpretação (podendo eventualmente cada um chegar conclusões diferentes). A diferença entre ambos os filmes é que enquanto o Primer o exigia por ser um filme muito técnico, este exige-o por ser muito abstracto.
Não é que não tenha enredo, porque tem. Através de uma narração um pouco desconexa e com muito poucos diálogos (e muito menos explicações) seguimos o percurso de uma mulher e um homem que se vêm enredados numa conspiração relacionada com uma entidade/droga com efeitos poderosíssimos sobre a consciência. Ao longo do ciclo de vida desta entidade (que tal como um parasita avança por uma série de hospedeiros até reiniciar o ciclo: humano-porco-orquídea-verme, com a ajuda de humanos que lucram monetaria ou emocionalmente com isso), desde que são forçados a integrar esse ciclo, as duas personagens principais vêm as sua consciências fragmentadas e manipuladas mas juntos vão procurar libertar-se e retomar as rédeas das suas vidas e emoções.
O filme tem imagens de grande beleza e graciosidade, num estilo sensorial que por vezes faz lembrar Terence Malick, mas sente-se uma certa frieza, talvez fruto da alienação mental por que passam as personagens principais durante a maior parte do filme. É um filme que fica mas não necessariamente agradável: é um filme que intriga, que prende como um mistério, uma interrogação e é sobretudo um filme que prende por que se sente que mais do ser um filme sobre uma conspiração, o próprio filme é como uma conspiração: muito mais lhe corre por baixo da superfície, é um filme maior do que o seu enredo, maior do que as suas imagens.
Baseado numa curta de terror que encantou Guilherme Toro a pontos deste produzir esta versão em longa-metragem, Mama é um filme de terror que roda à volta do instinto maternal obsessivo, dos contos de fantasmas e do tema das crianças ferais.
Cinco anos após Jeffrey ter morto a tiro várias pessoas e raptado as filhas bebés, estas são encontradas sozinhas numa cabana de montanha. Muito perturbadas pelo isolamento, são recolhidas pelo tio paterno Lucas e pela namorada deste, Annabel. No entanto, mais alguma coisa acompanha as crianças, Mama, uma entidade tenebrosa que as protegeu durante os anos passados na cabana.
Mama tinha a possibilidade de ser um bom filme de terror, com algumas personagens interessantes, um ambiente bem conseguido, um terror mais psicológico do que sanguinolento mas perde-se no caminho e não chega a ser o filme que poderia ter sido. Não é tanto o final, que desagradou a muita gente, mas que apesar de ser um pouco cliché até achei razoavelmente bem conseguido (excluindo a falta de subtileza do fantasma, que resultaria bem num filme do Sam Raimi mas que aqui parece um pouco deslocada) mas sim o desenvolvimento e lógica do enredo sobretudo no que toca às personagens secundárias, perdendo-se a maioria delas (a tia materna ressabiada, o psiquiatra, o tio adoptante) em acções sem sentido nem propósito. Seria talvez um filme mais coeso se se centrasse mais no confronto de relações maternais entre a Annabel, as crianças e a Mama.
De resto em termos de lógica também não fez muito sentido a fixação do filme na criança mais velha (faria sentido se a suspeita lançada de a Mama ser uma personalidade alternativa da criança fosse explorada de modo a nos criar minimamente essa dúvida) em detrimento da criança mais pequena, essa sim, visivelmente perturbada e com potencial para nos vir a causar pesadelos.
No final fica um filme mediano com um argumento muito pouco racional e com muito menos efeito perturbador que eu esperava que tivesse e do que poderia ter tido. Para o meu primeiro filme visto em 2013 realmente de 2013 podia ter começado melhor.
Não posso dizer que tenha uma grande cultura no que toca aos filmes mudos. Talvez seja por isso que a maioria dos que vi até agora me tenha surpreendido pelo grau de sofisticação que já apresentavam. Ou então, com o século que praticamente passou, o tempo foi-se encarregando de deixar só a nata do que se fez na altura (afinal de contas, se hoje em dia com toda a tecnologia existente também se faz muito filme mal amanhado, na altura também os devia haver... esperemos que os mal-amanhados de hoje também vão sendo abafados pelo peso do tempo).
Häxan é um filme mudo dinamarquês que em tom documental se debruça sobre os efeitos e horrores da superstição e fervor religioso que levaram durante séculos à perseguição e morte de supostos feiticeiros e bruxas na Europa. Dividido em 7 capítulos, começa com uma exposição teórica apoiada em gravuras em estilo antigo (uma espécie de powerpoint à moda antiga e a parte menos interessante do filme) e segue em vários capítulos com a história da estadia de um grupo de inquisidores numa aldeia qualquer, onde o filme aproveita não só para demonstrar os métodos usados por estes, os riscos que qualquer pessoa corria de ser acusada (mas em particular as mulheres e destas as mais velhas e solitárias) mas também para recriar em encenações muito ricas e detalhadas, os mitos e superstições associados à bruxaria e à adoração de demónios. Por fim, termina com uma muito actual (na altura) tentativa de explicação à luz da psicanálise de vários fenómenos em tempos associados à bruxaria e possessão.
O resultado é bastante poderoso. As cenas que ilustram o filme têm um dramatismo vibrante e surreal, conseguindo o realizador transmitir um forte sentido de terror ao aproveitar de igual modo o horror do que foi a Inquisição e o horror do sobrenatural. Nesse sentido, não deixa de haver um certo oportunismo: se por um lado o filme pretende passar uma mensagem humanista e iluminista e condenar a ignorância da superstição, por outro lado não tem problemas em mergulhar nessa mesma superstição para criar cenas de forte impacto e mestria técnica, com o claro intuito de impressionar o lado mais susceptível dos seus espectadores. É claramente um caso de "Yo no creo en brujas pero que las hay, hay"...
PS: Podem ver o filme inteiro no tubo e com legendas em protuguês (brasileiro) e tudo...
Harold é um jovem desmotivado e sem alegrias, com uma propensão mórbida que o leva a assistir a funerais de desconhecidos e a encenar suicídios para chamar a atenção da mãe. Maude é uma septuagenária vibrante, anárquica e amante da vida. E juntos vão viver um romance (ao som de Cat Stevens) que vai despertar Harold para a vida.
Harold and Maude é um filme com mensagens desafiantes sobre a vida e a morte, a juventude e a velhice, brincando com os nossos preconceitos sobre estes assuntos. No entanto, apesar de ser bastante interessante e de haver nele uma certa doçura e charme, devo dizer que o filme não resultou completamente bem para mim. As personagens e o modo como as situações são apresentadas são demasiado estranhos para um relato realista mas ao mesmo tempo são demasiado realistas para uma fábula. E acho que teria gostado mais de ver um desses dois filmes: ou um relato realista de uma relação amorosa entre um jovem adulto deprimido e uma sénior estouvada ou um relato fantasista e gótico, a meio caminho entre um livro de Edward Gorey e um filme do Tim Burton.
Ainda assim é, sem dúvida, um filme que fica marcado na memória quer pela sua estranheza quer pelas questões que aborda.
É primavera, o sol brilha, a temperatura está amena e é domingo. Precisava de um filme a condizer com o estado de espírito que acompanha essa benesse atmosférica. E foi este.
Pitch Perfect resumido é um típico filme de domingo, fiel a um formato: o das equipas em competição que se superam a si mesmas até ganharem o prémio na final, neste caso um grupo coral feminino à capella, numa universidade. Existem mil e uma versões desta história. Mas Pitch Perfect tem a seu favor um grupo de personagens interessantes, genuínas e bem representadas e um argumento ligeiro mas atrevido, por vezes auto-parodiante mas que ao mesmo tempo leva a sério e com empenho os seus momentos musicais. Uma mistura entre o Glee da sua primeira temporada e meia e o filme do 21st Jump Street.
Entretenimento ligeiro mas não estupidificante, bem disposto e animado: mesmo o que um dia como hoje pedia. E com a Anna Kendrick como bónus!
Se há série que merecia muito mais amor do que aquele que recebe, é sem dúvida o Justified. Não é tanto que não receba muito amor de quem a vê, é mais que muito mais gente a deveria ver. Justified é um expoente da arte do diálogo, elevando a troca de galhardetes verbais ao nível de intensidade de qualquer duelo de cowboy. Vidas são perdidas e ganhas em hábeis trocas de palavras.
Passada no Kentucky, um estado maioritariamente branco e protestante, Justified segue as atribulações dos marshalls e das mafias e criminosos locais, especialmente das suas zonas mais rurais/industriais que são também mais tradicionalistas, saloias, mais hardcore e xenófobas, servindo-se da personagem principal, o marshall Rayland Givens, como ponte de ligação entre as forças policiais e as criminosas. Rayland é uma mistura de cowboy do oeste com um cavalheiro sulista, sempre de dedo no gatilho mas sempre do lado de cá da lei: atira a matar ao mínimo sinal mas, daí o nome da série, o dedo no gatilho é sempre justificado.
Na primeira temporada após um "duelo" com um mafioso de Miami, Rayland é destacado à laia de castigo para Lexington, a divisão a que pertence a sua terra natal, Harlan. Os episódios seguem uma mistura de histórias pontuais de perseguições de fugitivos com o desenvolver de uma história mais de fundo, relacionada com o passado de Rayland, o pai criminoso, a ex-mulher, as disputas familiares ancestrais e sobretudo com a família Crowder. É precisamente desta família que surge Boyd Crowder, que ao longo das temporadas vai estabelecer com Rayland uma relação de verdadeiro amor/ódio, como dois irmãos que se odeiam no fundo porque são parecidos. Ambos os actores fazem um trabalho para lá de magnífico e raramente dois adversários tiveram uma química tão grande. Cada embate (a maior parte deles, lá está, são verbais) está ao nível do stand-off do Omar/Brother Mouzone do the Wire.
A segunda temporada é soberba, sobretudo devido aos vilões principais da temporada, o clã Bennett responsável pelo tráfico de cannabis na região de Harlan. Boyd e a família Crowder continuam lá mas cabe a Mags, a matriarca dos Bennetts, o mais inesquecível papel de vilã da série. É ela a culpada de esta ser até agora a melhor temporada da série.
A terceira temporada perde um pouco pela entrega do papel de vilões principais a personagens fora do colorido mais local mas nem por isso deixa de ter episódios e momentos magníficos.
A quarta temporada, que terminou agora, leva-nos de novo a mergulhar em Harlan e na sua história, ao tentar resolver um mistério com 30 anos de idade que vai pôr em revolução quer os criminosos locais, quer a mafia de fora, quer as forças policiais. Todos se vão entregar entusiasticamente à procura da identidade de um homem muito, muito desejado, Drew Thompson.
Apesar de todas as temporadas manterem uma dose regular de histórias mais pontuais, são sempre as histórias de fundo a dar coesão à série e a qualidade destas está muito presa à qualidade do inimigo principal. Até aqui a série estava a seguir um esquema de vilão principal a desenvolver-se ao longo da temporada até ao stand-off final mas nesta foge ao esquema: tem na mesma adversários estupendos mas desta vez o ênfase é posto na corrida e confronto entre as várias forças interessadas em descobrir quem é Drew Thompson. E é uma aposta ganha, não só pela história em si mas também por não deixar cair a série num formato rígido. Este evitar da formatação, de qualquer maneira, já era uma mais valia da série, que sempre conseguiu manter as suas personagens e histórias em evolução e crescimento: mesmo as personagens secundárias são tridimensionais, desenvolvem-se e mudam, têm vida para lá do seu papel de suporte das personagens principais (duas delas, o Marshall Tim e Colt têm quase direito a um muito interessante spin-off nesta temporada).
Para além da qualidade geral deste arco, nesta temporada há também a registar o melhor episódio de toda a série e o melhor episódio de TV que eu tenha visto em muito tempo. O episódio 11, quando os marshalls finalmente tomam posse do fugitivo Drew Thompson mas têm ainda de conseguir resgatá-lo de Harlan para um local mais seguro é de uma mestria incomum: o ritmo, os diálogos, o jogo de cintura a gerir os múltiplos focos de acção, as mudanças constantes e variadas localizações, a intensidade constante, tudo afinadíssimo
ao último grau.
Agora venha a quinta temporada... e quanto mais cedo melhor.
Se tiverem curiosidade e quiserem ler algo sobre a série escrito por alguém mais eloquente que eu, recomendo este artigo que foi o que primeiro me despertou curiosidade pela série: 5 Ways Dexter Can Learn From Justified.
Na transição do filme mudo para o sonoro, Carl Theodor Dreyer realizou um filme de horror inspirado nas histórias de Sheridan Le Fanu, muito bem sucedido na criação de um ambiente brumoso e arrepiante. O filme corre como um longo e desorientador pesadelo (acentuado ainda mais pela pátina que o tempo confere).
Não é tão bem sucedido, no entanto, em termos de argumento o qual, mercê talvez dos múltiplos cortes e edições a que o realizador o foi sujeitando, nem sempre segue da melhor maneira o fio da coerência. O que se ganha em atmosfera perde-se por vezes em clareza narrativa, para a qual também não ajuda o facto de por um lado os diálogos sonoros serem ainda incipientes e muito escassos e por outro os intertítulos e a mímica típicos dos filmes mudos estarem reduzidos ao indispensável.